Filho de imigrantes refugiados da Primeira Guerra Mundial, vindos do leste europeu, Andy Warhol era o quarto filho em um lar de operários, sem luxos nem excessos, na cidade de Pittsburgh, Pensilvânia. Sua relação com a arte começa a se estreitar em 1945 quando, aos 17 anos, vai para Universidade Carnegie Mellon na cidade em que morava e se gradua em design.
A partir dessa experiência Warhol agiliza sua mudança para Nova York, lugar que imagina ter mais oportunidades profissionais e onde começa de fato sua carreira como ilustrador na revista Glamour. Estabelecendo-se como bem-sucedido na área, realiza trabalho colabora com outras revistas relevantes como Vogue e The New Yorker. Warhol passou a ser contratado também para fazer anúncios publicitários e até expositores para vitrines de loja, destacando-se meteoricamente no ramo, ganhou prêmios de diretor de arte como do The American Institute of Graphic Arts.
Assentado na linguagem publicitária, Warhol produziu uma série de desenhos baseados na obra do dramaturgo Truman Capote, essas 15 peças compuseram sua primeira exposição na Hugo Gallery, em 1952, passando em seguida por diversas exposições, inclusive pelo MOMA, quatro anos depois.
A década de 1950 representou o momento de consolidação de sua atuação comercial ao passo que procurava seu lugar nas artes plásticas, de modo que a década seguinte marca definitivamente sua produção e ascensão enquanto artista plástico.
Em 1964, abre o estúdio The Factory, que passou por diferentes endereços em Nova York. O nome do espaço é “a fábrica” porque aludia a produção em massa que Warhol tinha como ponto de partida e espírito de sua obra, compreendendo seu processo artístico dentro de uma lógica industrial.
Na fábrica ele produzia incansavelmente de dia e à noite realizava festas que contava com a presença das pessoas mais excêntricas da sociedade: de estrelas do cinema a ícones da pornografia.
Muitos frequentadores a chamavam Silver Factory, por suas paredes serem cobertas por um material prata. Ela tornou-se um efervescente ambiente de música, nomes como Bob Dylan e Mick Jagger passaram por lá, assim como The Velvet Underground, banda que Warhol gerenciou e financiou por um tempo, a qual possui a capa de um dos álbuns feita pelo artista.
Capa do álbum de estreia de The Velvet Underground & Nico álbum. Imagem: Vinilrecords
Nesse ponto de sua trajetória, Andy Warhol alicerça sua linguagem à pop art. Esse movimento artístico buscou o encontro entre o conceito de arte e de cultura popular, fundou seus temas a partir de objetos da cultura de massa, de consumo e celebridades. Os artistas desse nicho deixaram nebulosa a fronteira entre arte e cultura.
Warhol mergulhou no movimento com amplo repertório da cultura de massa por sua vivência na produção comercial e com a criatividade e a vontade de ser artista e passou a produzir arte com elementos publicitários: tintas acrílicas, cores fortes, alto contraste e brilho e trabalhos feitos em série.
No que tange aos trabalhos em série há um método em sua produção muito pertinente, as serigrafias. A serigrafia é um processo de impressão, uma espécie de gravura que se faz a partir da aplicação de tinta em uma tela vazada com a figura que se deseja imprimir. Essa técnica proporciona um aspecto panfletário à tela pela aparência de estampa que se cria e pela facilidade de reprodução, possibilitando que a repetição vire uma marca estética e conceitual do seu trabalho.
Com esse procedimento, Warhol reproduziu mecanicamente imagens de várias celebridades e de itens de consumo em obras que lembramos até os dias de hoje. Da Marilyn Monroe ao Pelé e das latas de sopa Campbell a Coca-Cola.
Latas de Sopa Campbell, 1962. Andy Warhol. Imagem: MOMA.
Nessa série, Warhol reproduz latas de diversos sabores de uma conhecida marca de sopa instantânea, a ideia surge justamente dos almoços do artista que eram frequentemente preenchidos com uma Campbell.
As sopas enlatadas em série, dispostas uma ao lado da outra remetem justamente a prateleira do mercado, apesar de imediato a obra ter parecido rasa para o público geral, a repetição e a colocação dessas imagens tão cotidianas como objeto de arte fez emergir debates sobre o conformismo, a resignação, o consumo e até mesmo a mediocridade.
Andy Warhol acabou escancarando que o consumo, por bem ou por mal, é a atividade mais democrática dos Estados Unidos, em essência, a sopa que uma pessoa em situação de rua comia era a mesma consumida pelo presidente da república. Às vezes é duro encarar suas obras pois elas expõem como somos insignificantemente iguais e vazios.
Marilyn Monroe, 1976. Andy Warhol. Imagem: ARTETRAMA
Andy Warhol fez inúmeras versões da pintura de Marilyn Monroe, a partir de uma fotografia famosa usada para promover o filme Torrentes de paixão (1953) com a atriz. Com exceção de uma em preto e branco, todas as telas alteram apenas as cores, que se mantêm intensas e contrastantes. Essa mudança sutil é um recurso fundamental de se pensar visto que a serigrafia ao tornar o processo mecânico desaparece com o gesto do artista, de modo que Warhol se faz presente pelas decisões tomadas e mudanças aparentemente sutis.
A plasticidade que o trabalho confere à imagem é tamanha que a atriz parece ser mesmo um objeto, algo inanimado, uma máscara; ao passo que a repetição banaliza a imagem, Warhol explicita no que a sociedade transforma as celebridades. Warhol captura e imortaliza essa imagem de Monroe depois da trágica morte da atriz. Da adoração ao consumo, ele transporta a essência da fama em algumas telas.
O artista partiu desse artifício para retratar inúmeras outras celebridades, cultivava uma certa obsessão por ícones da beleza e debates da imagem. Isso manifesta uma dimensão pessoal, Warhol possuía coreia de Sydenham, um distúrbio neurológico que dentre várias consequências afetou sua aparência, deixando-o extremamente pálido e com os cabelos finos, o que se tornou uma insegurança em sua vida. Enquanto jovem era bem recluso e tímido, traços marcantes de sua personalidade, mas a partir da arte, passou a lidar diretamente com essas questões por aqueles que são ícones de beleza.
A vida artística de Warhol prosseguiu em ascensão exponencial e na década de 1980 ele vira amigo de um grafiteiro por quem nutria grande admiração e que marcava presença nas ruas e nos metrôs de Nova York: Jean-Michel Basquiat.
Um grande entusiasta de estruturas anatômicas, Basquiat gostava de cores quentes e nunca teve medo de se permitir ser seu lado criativo. Aos 17 anos abandonou os estudos diante do desejo de ser artista que consumia toda sua energia e dedicação, passou a morar na casa de amigos, se sustentando com a venda de artigos como camisetas nas ruas de Nova York.
Warhol e Basquiat. fonte: Voga.
Os artistas se conheceram em 1982 e estabeleceram uma amizade simbiótica que durou cinco anos. Viveram uma parceria intensa e cheia de tensões, o homem branco e o negro, o artista famoso e o jovem de rua, a arte nua das ruas e a sedutora arte publicitaria, Warhol impulsionou a popularidade de Basquiat enquanto o segundo instigava a experimentar novas formas de produzir.
Basquiat, Duas cabeças, 1982. fonte: Fundação Andy Warhol para as Artes Visuais
Passaram a não só atravessar a produção um do outro como a produzir em conjunto, criando um estilo novo, exclusivo da fusão dessas duas personalidades, da pop art à crueza das ruas.
Basquiat morreu de overdose aos 27 anos, pouco mais de um ano depois da morte de Warhol, em 1987. A partir de então sua obra valorizou progressivamente e chegou a ultrapassar o valor de mercado de Andy Warhol.
Warhol, durante sua vida, mergulhou de cabeça no fabuloso mundo da arte, realizou diversos filmes undergrounds e conceituais como Empire e fundou a revista de fofocas Interview, ambos de 1964. Sua experiência de vida agitada é abordada até hoje, como no recém-lançado documentário da Netflix, Diários de Andy Warhol, que aborda sua vida pública. O Andy Warhol Museum, em funcionamento desde 1994, é uma importante instituição que preserva e faz ecoar seu legado, inclusive com obras trazidas ao Brasil em 2022 na mostra Pelas ruas: vida moderna e diversidade na arte dos Estados Unidos com inauguração prevista para 27 de agosto na Pinacoteca de São Paulo.
As experiências de vanguarda usualmente se deram numa vontade radical de mudar a realidade, enfrentar problemas, se posicionar politicamente, nesse sentido, Warhol não foi um artista combativo. Em contraposição, se fascinou pela beleza aparente dos Estados Unidos e soube instrumentalizá-la, não de forma resignada, mas de forma a expandir suas possibilidades de análise, conseguindo atribuir profundidade ao conceito de superficialidade, definindo a si mesmo como uma pessoa profundamente superficial.
Warhol discutiu indiretamente sobre a obsolescência das coisas e a ilusão da fama, e ironicamente seu legado se perpetua progressivamente como uma tatuagem da sociedade capitalista através de suas frases e obras proféticas em relação ao mundo de hoje que padece em meio aos filtros e às mídias sociais.
Giovanna Gregório é graduanda em Arte: Historia, Critica e Curadoria pela PUC-SP. Pesquisadora e crítica independente.
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3 Comments
Maravilhosa edição da ArtSoul.!
Parabéns , e obrigada por poder conferir suas propostas artísticas.
A publicação sobre Andy Warhol é especial.
Incrível este artigo, continuem o com excelente trabalho!
Obrigada, Fabiane! É um prazer tê-la conosco. Assine a newsletter da Artsoul para acompanhar os nossos lançamentos!