São recorrentes os momentos em que a fotografia possibilita maior visibilidade sobre determinadas questões sociais. Isso se dá muitas vezes pela capacidade documental que a linguagem fotográfica carrega – ainda que sua forma mais experimental recuse o título de documental. Nesse sentido, figuras emblemáticas como Sebastião Salgado constituíram carreiras de renome a partir de uma fotografia que é testemunho de uma série de acontecimentos e situações que merecem atenção.
A trajetória de Sebastião Salgado na fotografia se iniciou na década de 1970 enquanto morava em Paris, especificamente no campo do fotojornalismo, ao registrar acontecimentos nos continentes europeu e africano.
Com o passar do tempo sua produção vai se enquadrando cada vez mais na chamada fotografia humanista, partindo do registro de diferentes contextos sociais, geralmente permeados por vulnerabilidade e exploração. Depois de séries conhecidas como a realizada na Serra Pelada, na qual Salgado registra as condições enfrentadas por garimpeiros no Pará na década de 1980 – sendo este apenas um exemplo -, a Amazônia e seus habitantes se tornaram protagonistas em um trabalho realizado ao longo de 7 anos.
A exposição Amazônia, aberta ao público no SESC Pompeia em São Paulo no último mês de fevereiro, já foi apresentada no Museu da Música na França, no MAXXI Museu na Itália e no Museu da Ciência na Inglaterra. Após sua estadia em São Paulo, desembarca em julho no Rio de Janeiro, no Museu do Amanhã. Também está prevista Belém, além de outras capitais ainda não anunciadas. Esse trabalho se transformou em um livro homônimo de mais de 500 páginas, publicado no ano passado pela Taschen.
A curadoria de Amazônia é de Lélia Wanick Salgado, que pensou estratégias para que a exposição se tornasse um espaço de imersão. A curadora afirma que a exposição é um mergulho no coração da floresta. Em suas palavras:
“Ao projetar ‘Amazônia’, quis criar um ambiente em que o visitante se sentisse dentro da floresta, se integrasse com sua exuberante vegetação e com o cotidiano das populações locais”.
Com cerca de 200 imagens espalhadas pela área de convivência do SESC Pompeia, os percursos revelam uma ambientação sonora que atuam na proposta imersiva da curadoria. A composição é do músico francês Jean-Michel Jarre e tem como base sons captados na floresta. As vozes de lideranças indígenas também aparecem através de vídeos instalados ao longo da exposição.
Um jogo de luzes destaca cada fotografia de forma independente no espaço, criando uma atmosfera de descoberta, onde a próxima imagem pode revelar um lado completamente inesperado desse bioma visualmente explorado.
A curadoria conta também com dois espaços de projeção com trilha sonora, sendo elas “Erosão – Origem do Rio Amazonas” de Heitor Villa-Lobos, e uma composição de Rodolfo Stroeter acompanhada de retratos de indígenas.
Os textos curatoriais e institucionais chamam atenção para a necessidade de se olhar para a Amazônia e os problemas ambientais causados pela exploração desenfreada em seu extenso território. Desta maneira, a exposição se mostra como um lembrete de que, apesar da exuberância existente em cada fotografia ser uma prova da riqueza da floresta, ela está em risco, o que acaba por colocar o mundo inteiro em risco.
Estes textos espalhados no espaço expositivo constróem junto às fotografias os pequenos eixos que relacionam as imagens às características valorizadas na exposição. Em Rios aéreos, por exemplo, somos lembrados da importância da Amazônia para o fluxo de chuvas em todo o continente americano.
Monte Roraima coberto de nuvens, na fronteira entre o Brasil e a Guiana. Parque Nacional do Monte Roraima. Estado de Roraima, 2018.
“Todos os dias, 17 bilhões de toneladas de água fluem do rio para o Oceano Atlântico, mas os cientistas estimam que, ao mesmo tempo, 20 bilhões de toneladas de água sobem da selva em direção à atmosfera: um fenômeno que vale seu apelido de ‘Oceano Verde’”.
Trecho do texto do eixo Rios aéreos
As fotografias nesse momento revelam a densidade deste fenômeno através do registro de massas de umidade que pairam sobre as árvores e rios amazônicos. Esta fotografia acima traz algumas das características mais potentes no trabalho de Salgado, como uma definição espantosa ligada a um contraste preciso, que são possibilitados também pela impressão de qualidade de cada imagem.
Quebrando o preto e branco das fotografias e o cinza do chão, surgem as paredes em tom terroso dos eixos curatoriais focados em povos indígenas que vivem na Amazônia. Segundo a curadora, as paredes arredondadas devem lembrar ocas e reforçar a ambientação proposta pela expografia.
Ao longo desses núcleos vamos conhecendo pequenos fragmentos do dia-a-dia de comunidades e territórios diferentes. Cada texto apresenta informações sobre parte da história dessas comunidades, suas línguas e costumes.
Estes núcleos remontam o empenho de Salgado em registrar a figura humana em suas diversas faces. Em tempo, existe um amplo debate na antropologia e na arte sobre as problemáticas envolvidas na aproximação entre um agente externo – como um fotógrafo – com comunidades indígenas. Assim como não há consenso em torno da ética da fotografia, existem muitas maneiras de se produzir este tipo de trabalho. Outras figuras importantes como Claudia Andujar, por exemplo, dedicaram suas vidas a registrar a vida indígena e trazer visibilidade às suas belezas e dores.
A exposição traz, ainda, uma sala dedicada ao Instituto Terra, criado em 1998 por Lélia Deluiz Wanick Salgado e Sebastião Salgado para promover uma recuperação da Mata Atlântica a partir das suas terras em Minas Gerais. O texto da sala afirma que “cerca de 2,7 milhões de árvores foram plantadas, e produzidas mais de 6 milhões de mudas de espécies nativas”.
Em cartaz no SESC até 10 de Julho, antes de partir para o Rio de Janeiro, a exposição é uma chance do público de admirar recortes do maior bioma do planeta através de imagens impressionantes e uma montagem que de fato proporciona uma imersão sensorial. Ainda que a exposição não traga tantas informações para que haja uma pesquisa aprofundada nas questões citadas, uma aproximação é possível, especialmente pensando que o SESC é um lugar de passagem com alta circulação diária, o que amplifica o alcance do debate mesmo que de modo tangencial.
Sebastião Salgado: Amazônia
De 15 de fevereiro a 10 de julho de 2022
Terça a sábado, 10h às 21h, domingo e feriado, das 10h às 18h
Área de Convivência
Gratuito. Livre
Sesc Pompeia – Rua Clélia, 93.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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