Criada em 1951 por Francisco Matarazzo Sobrinho (conhecido por Ciccillo Matarazzo), a Bienal de São Paulo se consolidou como um dos maiores e mais prestigiados eventos de arte contemporânea do planeta. Sua primeira edição aconteceu no âmbito do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), na esplanada do Trianon, onde hoje está localizado o MASP. De 1953 em diante, a mostra migrou para o Pavilhão do Parque Ibirapuera, projeto de Oscar Niemeyer, onde acontece até hoje.
Inspirada na tradicional Bienal de Veneza, na Itália, a exposição paulistana atrai artistas, curadores, marchands e colecionadores de todo o mundo, reforçando o vigor do circuito artístico no Brasil. Além disso, reúne uma quantidade imensa de público não-especializado, ou seja, pessoas que não atuam na área da cultura, mas que aproveitam a ocasião para conhecer novos trabalhos de arte. Agora, mais de 70 anos depois de sua inauguração, a Bienal realiza uma ação inédita: um leilão de cópias originais de cartazes que marcaram sua história.
Com o objetivo de angariar fundos para o Arquivo Histórico Wanda Svevo, acervo que guarda a documentação da mostra, o leilão ocorreu neste mês de março durante o jantar beneficente da Fundação Bienal. O lances foram altos, um deles iniciou em R$ 15 mil e chegou a R$ 220 mil. Ao todo, o leilão arrecadou R$ 1,5 milhão.
Para além de divulgar as diferentes edições da mostra, ao longo dos anos esses cartazes se definiram como referências de arte e design. Criados especialmente para cada evento, eles refletiram as tendências e preocupações estéticas de suas épocas, formando uma coleção icônica e fundamental na pesquisa em estudos visuais de meados do século 20 até os dias de hoje.
Essa produção gráfica surgiu, naturalmente, da necessidade de divulgar a Bienal. Foi instituído, pelo Museu de Arte Moderna, um concurso para definir qual cartaz faria a propaganda daquela edição. O regulamento estabelecia uma série de normas a serem seguidas, como por exemplo o tamanho padrão de 66 x 96 cm e o limite de 6 cores por poster. Cada artista podia apresentar no máximo 3 obras, que deveriam ser entregues ou endereçadas à Secretaria da Bienal do MAM, que naquele tempo se localizava na Rua 7 de Abril.
Era exigido que as peças fossem entregues sob pseudônimos, com os dados de identificação (como nome completo e endereço dos autores) separados em outro envelope. Cabia também aos candidatos apresentar os trabalhos com legendas em inglês ou francês, além do texto em português. Se não traduzissem, os candidatos deveriam ao menos sugerir esquemas para adaptação do escrito original.
O Júri de Premiação era formado pelo Presidente do MAM ou por alguma pessoa por ele credenciada, além de um crítico nomeado pela diretoria do Museu e um membro eleito pelos artistas concorrentes. O vencedor do concurso ganhava uma quantia de Cr$15.000, o segundo colocado ficava com Cr$5.000, e os trabalhos premiados eram revertidos à plena propriedade do Museu.
Nesta primeira edição, quem venceu a disputa foi o publicitário paulista Antônio Maluf, cuja abordagem geométrica e paleta de cores marcantes desenvolveu uma composição característica do modernismo que se estabelecia naquele momento.
Outra produção que esteve à venda no jantar beneficente é o cartaz da XX Bienal, de autoria do argentino Rodolfo Vanni, também eleito por meio de concurso. Feito em 1989, este design apresentou uma proposta muito mais ousada do que a de Maluf – o que se relaciona, é claro, com o contexto histórico e sociopolítico da época: um país que havia instaurado uma Constituição Federal no ano anterior e saído, um pouco antes, de uma ditadura civil-militar que durou mais de duas décadas.
Neste caso, o texto foi apresentado com informações seguidas, sem nenhum ponto final ou vírgula. Com fonte arial em caixa alta e negrito, os dizeres em vermelho pouco aparecem junto a imagem e ao tom de amarelo ao fundo. A legibilidade pouco importa, pois o que está em evidência é a banana verde desmembrada e remendada com grampos. O que se pretende é referenciar, por meio da banana suturada (uma fruta típica, simbólica e até jocosa) o momento de abertura política e retomada artística do Brasil.
Inferiorizado por muitos críticos que consideraram a banana uma imagem estereotipada do país, o cartaz de Vanni é um dos mais polêmicos da história da Bienal e, portanto, um dos mais lembrados também.
Não menos memorável foi a produção gráfica da franco-americana Louise Bourgeois para a XXIII Bienal, realizada em 1996. Neste caso, não houve nenhum concurso. A artista, que é um dos maiores nomes da arte e da escultura contemporâneas, foi convidada pela própria Fundação para produzir o poster de divulgação da edição. Como resposta, ela produziu não apenas um cartaz, mas quatro. Dentre eles, o escolhido pela instituição para ilustrar o evento é composto por vários círculos vermelhos, dispostos um dentro do outro. A imagem formada pela repetição de círculos lembra uma impressão digital, e a espessura irregular das linhas agrega certo dinamismo à obra.
Neste ano, a Bienal teve como tema “A Desmaterialização da Arte no Final do Milênio”. O Pavilhão foi dividido em três áreas: salas especiais dedicadas a mostras individuais; um representante indicado por cada país; e a exposição “Universalis”, que apresentava artistas emergentes. Ao escolher o trabalho de Bourgeois para essa edição, a mostra reafirmava seu compromisso com a exibição de artistas que não apenas dominavam suas técnicas, mas que também estavam dispostos a explorar outras expressões.
Com o leilão de cartazes, a Fundação Bienal oferece aos colecionadores de arte a oportunidade de adquirir peças históricas, visto que cada cartaz leiloado é uma reprodução original da impressão de cada ano específico. O valor de mercado dessas obras é alto, refletindo a importância histórica e cultural dos cartazes, que muitas vezes se tornam tão icônicos quanto as exposições que promovem.
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