A Fuorisalone, ou Milan Design Week, um dos eventos mais aguardados no mundo do design, adotou no ano de 2023 um tema de extrema relevância: sustentabilidade, através do título Laboratorio Futuro. Essa escolha é particularmente significativa, já que a icônica semana não se restringe apenas a apresentar as últimas tendências. Ela se destaca como um local de discussões sobre estética, funcionalidade, princípios do design e se torna um farol para o futuro no setor. A criatividade, inovação e a busca por soluções inteligentes diante de desafios diversos são pilares que impulsionam os designers em suas jornadas criativas. Em um contexto permeado por incertezas ambientais, climáticas e sociais, a construção de um futuro mais otimista tem se tornado uma fonte inspiradora para o setor. Isso reflete a preocupação pelo presente e pelo futuro, um dos traços definidores de nossa época.
As discussões sobre sustentabilidade não são recentes, tendo origem na década de 1960. A emblemática Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, desempenhou um papel fundamental ao introduzir o conceito de “desenvolvimento sustentável”. Esse princípio visa atender às necessidades do presente sem comprometer o bem-estar das futuras gerações. A partir desse marco, o desenvolvimento sustentável passou a orientar ações globais. Como resultado, o compromisso com a sustentabilidade transcendeu fronteiras e encontrou expressão em diversos campos, incluindo o design. Essa nova postura adota várias formas, mas, em sua essência, promove uma abordagem abrangente, que perpassa não apenas o objeto em si, a estética, a funcionalidade ou o preço, mas toda a cadeia produtiva, desde a matéria prima, passando pelo consumo até o descarte.
No design brasileiro, um dos exemplos mais notáveis é o trabalho dos Irmãos Campana, uma dupla do interior de São Paulo que alcançou reconhecimento internacional com a “Poltrona Vermelha”, uma peça de destaque na Milan Design Week de 1995. No período de concepção da peça, os Irmãos Campana já exploravam abordagens criativas contrárias à produção em massa, inspirando-se em produtos regionais, na estética nacional e no próprio processo de criação brasileiro, onde a improvisação e a criatividade são características chave. Os designers denominaram esse processo de “design emergencial”, onde, diante de questões sociais e ambientais, surge a necessidade de criar habitações e móveis a partir dos recursos disponíveis, frequentemente reutilizando materiais e conferindo novas formas e funções a objetos descartados. A “Poltrona Vermelha” adota esses princípios, e é produzida com cordas amarradas manualmente em uma estrutura tubular de metal. O processo é inteiramente artesanal, demandando cerca de 50 horas para a conclusão de cada poltrona, contrastando com a produção industrial em massa. Outra peça icônica dos estúdios Campana é a “Cadeira Favela”, criada em 1991. Essa peça marcante no design brasileiro se inspira na arquitetura comumente encontrada em comunidades vulneráveis, e é confeccionada a partir de lascas e ripas de madeira reutilizadas.
Mas o trabalho do Estúdio Campana vai além do design e da criação de móveis. Em 2009, a dupla fundou o Instituto Campana, uma organização dedicada a preservar o legado dos irmãos por meio de programas sociais e educacionais realizados em comunidades vulneráveis. Esses projetos incluem a capacitação de artistas e artesãos locais, proporcionando maior valorização de seus trabalhos, bem como a implementação de ações educativas destinadas a crianças e adolescentes, visando a formação e o fortalecimento da autoestima. Essa iniciativa se alinha com o conceito atual de “Economia Verde”, uma vertente do desenvolvimento sustentável que defende a erradicação da pobreza e a segurança alimentar para todos, combinada com uma gestão responsável dos recursos naturais.
Uma produção notável também é encontrada no Atelier Monica e Klaus. A designer carioca Monica Carvalho e o designer alemão Klaus Schneider encontram na natureza a principal fonte de inspiração para suas criações. O casal utiliza seu trabalho como uma plataforma para destacar a urgente necessidade de preservar as florestas. Monica deu seus primeiros passos como designer quase por acaso; ela costumava caminhar pela floresta, onde coletava elementos que a cativavam, como sementes, galhos e folhas e, depois, criava objetos de decoração, móveis e joias. A partir desse processo, seu atelier foi concebido e, atualmente, ela compartilha essa jornada com seu marido. Por sua vez, Klaus investiga a madeira em criações feitas à mão, que se manifestam como móbiles, painéis e esculturas.
Monica afirma que estabelece colaborações com diversas comunidades que habitam as florestas, permitindo a redistribuição da renda gerada por seu atelier. A dupla mantém parcerias não apenas com grupos no sudeste, mas também com comunidades amazônicas, situadas na região do Rio Negro. É dessa região, por exemplo, que provêm as sementes de açaí, um elemento recorrente em várias criações do atelier.
Entretanto, os princípios do desenvolvimento sustentável não aparecem aqui limitados ao material utilizado, mas tocam também na maneira como são coletados. Ao coletar sementes, galhos e outros elementos, os designers sempre deixam uma parte intocada, demonstrando um compromisso com a preservação desse ambiente e fornecendo recursos para seu contínuo crescimento e desenvolvimento. Além disso, ambos se envolvem em iniciativas educacionais com comunidades ribeirinhas, onde o artesanato desempenha um papel crucial na geração de renda. No vídeo abaixo, podemos acompanhar um projeto realizado em parceria com o Instituto Coca-Cola e a Rede Asta, e notar como essa iniciativa promove discussões sobre arte, mercado e vendas, gerando apreço pela arte regional e tradicional e proporcionando aos artesãos maiores perspectivas econômicas a partir do seu trabalho. Essas ações dialogam com diversos princípios do design sustentável e da economia verde, pois além de ter a preservação como motor criativo, promovem uma distribuição mais justa de renda e permitem que comunidades de artesãos continuem a viver de forma sustentável, protegendo o ambiente e explorando os recursos com responsabilidade.
As práticas dos Irmãos Campana e do Atelier Monica e Klaus ilustram como o design pode se associar à sustentabilidade. Em 2023, o convite feito pela Milan Design Week, para imaginar o futuro, parece ser fundamental. Enquanto o futuro é comumente associado a tecnologias avançadas, como robôs e supercomputadores, teóricos, artistas e designers estão demonstrando que olhar para o passado e abraçar tecnologias ancestrais pode ser a chave para o futuro. E, ao invés de um cenário dominado por metais, vidros e dispositivos digitais, o futuro pode se basear em técnicas e materiais tradicionais, proteção do meio-ambiente e um uso consciente dos recursos naturais.
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