A designer mineira Regina Misk se destaca como uma das figuras mais fascinantes do atual design brasileiro. Seu trabalho, marcado pela criatividade e profundo respeito pelo processo de criação, ganha destaque em feiras, eventos e publicações especializadas, sendo também um ponto alto do marketplace de design da Artsoul.
Ao conhecer suas criações, fica evidente a razão por trás desse reconhecimento. Com maestria, Regina tece uma conexão singular entre tradição, contemporaneidade e brasilidade, utilizando técnicas ancestrais como o tricô e o crochê, combinadas com um design arrojado, moderno e único. O resultado é a criação de obras atemporais que harmonizam sofisticação com aconchego, elegância com afeto. Para aprofundar na visão artística de Regina Misk, conversamos com a designer, que compartilhou trechos de sua jornada, bem como as inspirações e conceitos que orientam seu trabalho.
Regina conta que seu interesse pelas artes têxteis surgiu na infância. “A curiosidade pelas artes e pela manualidade já era uma coisa muito minha”, comenta. E essa curiosidade se manifesta de forma constante nas trilhas criativas que a artista percorre. Desde as peças de tricô que fazia sob encomenda quando era adolescente, até sua carreira como designer autoral, a curiosidade, o afeto e o verdadeiro amor pelas artes tradicionais estão sempre presentes.
Nascida em Belo Horizonte, Regina explica que a produção manual era quase uma tradição familiar. “Minha mãe gostava de tricô. Ela fazia o básico e eu aprendi esse básico com ela”, compartilha. No entanto, foi em Portugal que ela teve contato com outras técnicas e pôde expandir sua criatividade. Sua família se mudou para o país europeu quando ela tinha apenas 2 anos e lá permaneceram por mais de uma década. Em Portugal, as artes têxteis têm grande presença e, graças ao período de colonização, em certa medida a produção brasileira possui heranças lusitanas. A brasilidade, aliás, é um tema central no trabalho de Regina, que ao reinterpretar técnicas e tradições, atualiza o fazer manual, com desenhos, padrões e tramas de diversas influências.
A autenticidade é, de fato, uma característica fundamental para descrever o trabalho de Regina Misk
Quando retornou ao Brasil na adolescência, Regina já estava envolvida em diversas formas de expressão criativa. “Eu gostava de brincar com várias coisas de trabalho manual. Fiz pulserinhas de miçanga para bordar em vestidos, velas decoradas, várias coisas…”, relata. Apesar da simplicidade com que a artista narra suas experiências, essas experimentações vão além de detalhes triviais. Elas revelam a curiosidade que define Regina e que a acompanha em toda a sua carreira.
Sua trajetória começou cedo, quando, a convite das amigas portuguesas de sua mãe, começou a criar peças para lojas de Belo Horizonte por volta dos 17 anos. O que poderia ter sido apenas uma aventura adolescente se transformou em uma carreira sólida e bem-sucedida no mundo da moda. Com criatividade, Regina começou a criar peças de tricô, crochê e outros materiais têxteis, sempre explorando seus limites. Aos 21 anos, após se formar na universidade, ela lançou sua própria marca. “Eram peças bem exclusivas. Tudo feito à mão, com muita experimentação de cores, efeitos gráficos… uma moda bem autoral”, recorda.
A autenticidade é, de fato, uma característica fundamental para descrever o trabalho de Regina Misk. Suas criações são facilmente reconhecíveis, apresentando uma mistura de inspirações, técnicas, proporções e formas.
No entanto, a consolidação na moda não foi suficiente para satisfazer seu espírito criativo. “Tem um momento que a gente quer coisas novas, não é?”, brinca a designer. A inspiração surgiu do mobiliário brasileiro, que ela reinterpretou em suas criações. “Meu filho tinha se mudado para São Paulo e eu passei a frequentar muitos antiquários. O design brasileiro, móveis dos anos 50 e 60, sempre me atraiu muito. Eu via uma peça e pensava: e se eu reformar? Vou customizar, fazer um estofado em tricô, mudar de cor… Criar uma roupagem nova para aquela peça, com a minha técnica”, comenta. Como em seu início na moda, estas experimentações poderiam ser apenas uma brincadeira, pois não havia intenção comercial. Mas, a novidade, a sofisticação e o resgate de tradições presentes no trabalho de Regina atraíram a atenção do público e ela viu uma nova forma de explorar sua criatividade.
Das peças iniciais surgiu uma exposição, Além da Forma, na Amém Casa, um importante espaço de design da capital mineira. Esse evento despertou interesse no mundo do design. “Foi algo bem inusitado, diferente”, relembra Regina. A partir daí, começou a participar de feiras e eventos relacionados ao tema, onde seu trabalho, que sempre equilibrou tradição e contemporaneidade, ganhava destaque. “No começo, foi algo muito intuitivo”, comenta, ao conversar sobre seu estilo. Seus móveis eram predominantemente resgastes do modernismo brasileiro, conhecido pelo uso de madeira e ferro, com linhas marcantes. A combinação desses materiais com tricô, crochê e outras técnicas, influenciada pela inventividade de Regina, criou peças contemporâneas, aconchegantes e singularmente brasileiras.
“Minha pesquisa vem muito de tramas e design tradicionais. Gosto de pesquisar artesanato brasileiro, nossos povos originários, mercados, o artesanato local, o colorido”
A partir desse ponto, Regina se dedicou exclusivamente ao design, pois sentia que poderia expressar-se plenamente. Apesar da aptidão para criação, foi fundamental estudar. “Teve muito estudo, pesquisa. Sempre me inspirei muito no modernismo brasileiro. Aí é estudar, conhecer, comprar livros… Aos poucos, fui me inteirando”, comenta. A força de suas peças reside justamente na fusão de estudos, instintos e interesse pela ancestralidade. “Minha pesquisa vem muito de tramas e design tradicionais. Gosto de pesquisar artesanato brasileiro, nossos povos originários, mercados, o artesanato local, o colorido”, afirma.
“Na hora de construir sempre há a surpresa. Você pensa que vai fazer uma coisa, vira outra. Na hora que põe a mão, tem uma transformação que acontece”
A forma como o processo criativo de Regina funciona é de igual cuidado. “Quando eu vou desenhar uma coleção nova, eu tenho meu momento. Começo alguns meses antes e escolho cores, faço amostras, corto pedacinhos de cada material, cada cor e vou criando uma identidade”. Hoje, Regina tem colaboradores que auxiliam nas etapas de desenvolvimento. Dos móveis restaurados, ela agora cria mobiliário próprio, com a ajuda de marceneiros e artesãos. “Quando vou por umas peças para virar realidade, eu desenho. Tenho um caderno de processo, faço o croqui das coisas que quero fazer”, afirma. O fascínio das artes manuais ocorre justamente nos imprevistos que acontecem quando a ideia ganha vida. “Na hora de construir sempre há a surpresa. Você pensa que vai fazer uma coisa, vira outra. Na hora que põe a mão, tem uma transformação que acontece”.
Um exemplo que ressalta a exclusividade do trabalho de Regina está nas suas renomadas correntes. Feitas de tricô, crochê e diversos materiais, estão entre suas criações mais notáveis. “Foi uma das primeiras peças que eu criei, quando comecei a ir para as feiras”, afirma. Naquela época, boa parte do seu trabalho girava em torno da revitalização de móveis vindos de antiquários. “Eram cadeiras, bancos, peças grandes. Eu senti que precisava de coisas menores. Eu precisava de alguma peça decorativa, mais neutra”, relembra.
Surgiram então as famosas correntes, que ganharam o toque criativo característico da designer. “Já existiam, mas em outros materiais, madeira, ferro. Então eu pensei, vou fazer com a minha técnica”. Ao alterar o material, as peças também ganharam em versatilidade. “No começo, as pessoas não entendiam muito bem. Perguntavam para que servia. Aí eu explicava, você pode pendurar na parede, colocar como adorno, no centro de mesa…”, afirma. Em pouco tempo, eram sucesso de vendas.
A combinação de um objeto teoricamente rígido e frio, como correntes, e as técnicas de tricô e crochê proporcionam um acolhimento, um afeto especial, intrínseco ao trabalho de Regina. “Acredito que isso tenha um apelo, um encantamento”, afirma a designer. E, de fato, é difícil não se encantar com suas peças. O design criativo, desenvolvido com métodos ancestrais, traz uma agradável surpresa. Saber que cada peça passou por um cuidadoso processo manual, por um trabalho de resgate de técnicas transformadas, acrescenta mais encanto às criações de Regina Misk. Graças à sua excepcional curiosidade, as experimentações não cessaram. A designer agora explora trançados, amarrações e técnicas de cestaria com diversos materiais. Com sua inventividade, é impossível prever o que sairá de suas mãos.
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