Ao entrar em um museu, é comum notarmos as obras e o espaço montado à nossa volta. Mas, para além dos objetos dispostos no ambiente, é raro voltarmos nossa percepção à nossa própria atitude dentro daquele espaço. É comum abaixarmos o tom de voz, andarmos devagar e com as mãos para trás, diferente de comportamentos exercidos em diversos outros lugares que frequentamos. Já se perguntou de onde surgiu isso?
Esse comportamento foi muito estudado por historiadores da arte e tem forte relação com a maneira como as instituições artísticas criam seus ambientes. Os museus foram, desde suas primeiras inaugurações, construídos como espaços de exposição de artefatos e objetos voltados a disseminação da arte e suas manifestações. A construção desses espaços envolve a elaboração de regimes visuais que conduzem a um certo modo de compreender a arte.
A partir disso, é essencial entender que o comportamento do público dentro dessas instituições está diretamente relacionado com os elementos que compõe o espaço.
Grandes salões de arte do século XIX na Europa, montavam exposições ambientadas, ou seja, salas inteiras repletas de objetos históricos e artísticos contextualizados, com sofás e cadeiras que acomodavam visitantes entusiasmados. Essa construção gera uma cadeia de informações – paredes coloridas, muitos atrativos visuais, espaços para acomodação e conversação – que fazem o público entender aquele lugar como espaço de convivência e sociabilidade. E como mostra a pintura de Giuseppe Castiglione de um dos salões do museu do Louvre, as pessoas conversam, interagem entre si, tem a possibilidade de acomodar no grande sofá, tomar notas num caderno ou até mesmo se inspirar e desenhar.
Os museus modernos, a partir do século XX, passaram a entender que essa montagem ambientada não exaltava o potencial artístico da obra. Um objeto rodeado de elementos visuais recebe uma leitura em contexto. Já um objeto retirado de seu ambiente e exposto numa sala em destaque, recebe um outro olhar, uma outra carga de significação, muito mais poética e centralizada.
A ideia moderna era destacar o objeto enquanto sujeito principal, enquanto atitude por si só. Foi a partir daí que as montagens foram mudando, as paredes ficando brancas, os objetos isolados e distribuídos linearmente pelo espaço. Não há mais a mesma frequência de sofás ou bancos. Não há mais tanta informação dentro de pouco espaço.
As paredes brancas isolam e neutralizam as informações presentes na obra de arte, a partir do momento que a retira de qualquer referência externa. Os apelos visuais que circundavam o espaço, deixam de existir, amplificando os efeitos da própria obra a ponto de ser inegável, para o público, o seu caráter artístico.
O visitante, por consequência, ao sair da agitação das ruas e do transporte até o museu, adentra um espaço branco, com poucos elementos, silencioso e muito bem iluminado. O comportamento, então, é moldado por esse espaço e passa a ser mais contido. A ausência de assentos e a linearidade da disposição das obras do espaço, estimula o visitante a caminhar lenta e constantemente para acompanhar o que o ambiente propõe.
Essa dinâmica atinge sua proposta em destacar o objetivo poético da obra ao eliminar elementos passíveis de distrair o visitante. Em contrapartida, ao retirar todos os elementos que se aproximam do cotidiano e conectam aquele objeto artístico à vida pessoal de quem observa, a montagem distancia quem acompanha por fazê-lo não se sentir parte daquele espaço.
Artistas contemporâneos percebem esse caráter passivo e comportado na qual todo o visitante é induzido a agir e trabalham com novas propostas artísticas que trazem a autonomia e estimulam a experiência para além de simples observar.
É o caso de propostas como a arte cinética e a arte neoconcreta, que no Brasil e na América Latina, colocam o público em papel de destaque, no qual a obra não atinge seu ápice poético sem a interação.
O caráter de experimentação é a tônica da arte contemporânea e por isso é vista de forma tão assustadora, já que nos convoca a participar e refletir sobre sua composição, nos tirando da passividade habitual que o museu tradicional nos construiu.
A manipulação nas formas faz o visitante se ver também como autor e retira a exclusividade de criação do artista. Trabalhos como os de Régis Machado e Helio Oiticica, pautado em objetos que brincam com a interação, nos permite exercitar nossa liberdade de interpretação e criar nossa própria experiência a partir do proposto.
A arte contemporânea pode trazer uma autonomia há muito negada ao público e pode fortalecer nossos parâmetros críticos e sensíveis do mundo, o que torna essencial nos abrirmos frente à possibilidade de experienciar e reaprender a se comportar perante a arte.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP.
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