A reflexão sobre o valor da obra de arte é antiga e tão complexa que ganha uma perspectiva diferente a depender do interlocutor. Aqui não será diferente. Caminharemos juntos por algumas ideias a fim de esclarecer na cabeça do leitor quais são os aspectos relevantes considerados pelo circuito quando se fala sobre valor.
Valor é uma régua com dois extremos: a simbólica e a mercantil. É possível falar em valor em números exatos, o que seria o equivalente ao preço de um produto e é possível falar em valor em termos imateriais, que remetem aos aspectos subjetivos, afetivos e simbólicos de um objeto. Embora pareçam extremos completamente opostos, por vezes se relacionam e se influenciam.
No complexo circuito da arte contemporânea, setor que sofreu crescente profissionalização nas últimas décadas, são vários os atores que participam do processo de atribuição de valor a uma peça; galeristas, artistas, críticos, museólogos, colecionadores, entre outros.
Essa valorização pode operar tanto no âmbito institucional como no âmbito individual em que o primeiro é técnico e meticuloso, enquanto o outro é regido pela lógica do sensível. Uma das casas de leilão mais respeitadas no mundo, a Sotheby’s, estabelece exatos dez critérios para chegar ao número de venda final de um objeto artístico ou artefato; veremos adiante. Enquanto isso, uma parte significativa dos colecionadores parte da exigência sensível; segundo João Carlos de Figueiredo Ferraz, é preciso que uma obra emocione, cause uma reação, seja ela de beleza, estranhamento ou incômodo.
É dado conhecido que o valor que as coisas têm são determinadas pela subjetividade da mente que as conhece. Segundo a historiadora da arte Svetlana Alpers, o valor está relacionado com os desejos humanos, “é uma criação humana mais do que algo inerente à natureza das coisas”.
Através de estudos de teoria e história, o olhar e repertório aumentam de forma que influenciam a compreensão de uma obra de arte por exercitar o olhar à percepção das minúcias. Mas, no fundo, a atração que se sente por uma peça não parte de outro lugar senão do gosto e do desejo.
Lê-se gosto não limitado à esfera da beleza ou da feiúra, mas se trata de comunicar algo que remeta diretamente à uma lembrança afetiva. Desde um tema retratado até os pormenores como tons de tinta e traços do pincel, cada detalhe pode se comunicar com o observador a partir do seu repertório de vida e emoções.
A capacidade de inspirar, de emocionar, de trazer bem-estar e de provocar ao ponto de capturar os pensamentos de quem observa; é esse o valor simbólico de uma obra de arte.
Para um colecionador iniciante, deve importar pouco o renome do artista, é preciso conexão, paixões e até incômodos por uma peça, principalmente porque será parte do seu cotidiano. Qualquer que seja a emoção gerada, é fundamental que seja forte e é fundamental que seja sua.
Cildo Meireles, artista contemporâneo brasileiro, afirma que “colecionar vai ser sempre uma mescla de conhecimento e atração, técnica e passionalismo.”
Por outro lado, como afirma a jornalista Angélica de Moraes, a arte resulta de expressões individuais e está mergulhada em conceitos de época, mas, em grande medida, também é acúmulo de riqueza e índice de prestígio social. Partindo deste último ponto, entramos no âmbito institucional e percebemos uma série de métricas formuladas para atender a uma organização lógica do que tem ou não valor mercantil e qual é esse valor.
São esses critérios que transformam o valor em preço e está em permanente flutuação de acordo com “a oferta e a demanda”. Lucy Brown, da Sotheby’s – Escócia, afirma que o mercado de arte decide o preço de uma obra e são os colecionadores que, em última instância, chancelam aquele valor de acordo com o que estão dispostos a pagar. Nesses espaços, o fetiche da obra única atua de forma catalisadora para a disputa por uma peça.
Entram nesse cálculo também os museus, que participam dessa dinâmica na medida em que adquirem peças para os acervos e, por seu caráter social e de responsabilidade crítica e teórica, corroboram o valor de uma obra a partir do valor artístico.
Segundo o professor Tadeu Chiarelli, o museu é a instituição que se preocupa mais em termos artísticos e simbólicos do que em cifras do mercado. É apenas uma consequência que o mercado utilize dessas métricas para considerar a ascensão gradativa de artistas no setor.
Embora isso também aconteça sem a interferência dos museus; “se um artista ganha forte reconhecimento, não necessariamente vinculado à importância efetiva de sua produção, e se sabe dosar a oferta de seu produto, a mercadoria que produz tende a subir de preço”, afirma Tadeu.
De forma mais direta, especialistas da Sotheby’s apontam que dez são os critérios para valorização de uma obra de arte, tais como autenticidade, conservação, raridade, proveniência, importância histórica, dimensões, moda, subjetividade, meios e qualidade.
A autenticidade se refere à alma do objeto, a verificação de que é genuíno e que não tem alterações em seu cerne. É a materialização da ideia do artista. Existem muitas obras de arte feitas há séculos que não são assinadas, mas é a partir dos detalhes próprios do artista como traços e pinceladas que assinam indiretamente seu trabalho. Esta análise também verifica o material: o papel está apropriado para este período? A ondulação da tinta ou da tela corresponde à sua idade? Curiosamente o cheiro do material também é digno de análise, uma vez que muitas obras são armazenadas em templos ou ambientes religiosos, cheiros como velas e incensos passam a fazer parte da superfície do trabalho.
Analisar o estado de conservação é uma das principais capacidades para quem quer se tornar um especialista. A observação inclui verificar qual a distância do estado atual da peça para o estado em que saiu do ateliê do artista. Quanto maior a distância, maior as chances de comprometer o preço.
Ocasionalmente encontram-se obras com estilhaços, no caso das que testemunharam grandes guerras mundiais ou conflitos e isso adiciona componentes na narrativa da peça mas também afeta seu estado de conservação.
Os extremos de temperatura e a grande variação entre frio e calor fazem a superfície contrair e/ou dilatar.; a consequência direta desse processo é a tinta craquelar. Decidir o quanto se deve restaurar uma pintura é delicado pois no momento da restauração, o preenchimento de tinta pode atravessar a estética e o tom usados pelo artista e consequentemente aumentar a distância entre o original e o atual.
Outro fato curioso é que uma pintura de superfície levemente “suja” é um bom sinal, por demonstrar que a peça esteve fora de circulação e em uma coleção particular por tempo suficiente para ser algo novo ou até inédito ao mercado. Uma pintura muito limpa remete à alta circulação e consequentemente, maior interferência externa.
Raridade é o aspecto mais empolgante para o circuito. É a palavra mais usada no mercado. Pode ser raro por ter sobrevivido todo esse tempo sem perder suas condições originais, ou, principalmente, por não existir outra coisa sendo feita que se pareça com aquilo em qualidade, originalidade e inovação.
Por quais coleções passou? Em quais instituições? Qual a história do dono da peça? Se uma peça fez parte de uma figura histórica, isso não faz a peça ter maior valor?
O interesse na compra de uma peça tem relação com a proveniência uma vez que quanto mais interessante a narrativa e a história, mais interessante o objeto se torna. Quando o objeto faz parte da história do artista, quando foi feita para dar de presente a alguém ou é mencionada em correspondências do artista com alguma intenção específica, a obra passa a ter um valor muito maior e se torna mais relevante.
A importância histórica deriva do momento em que o trabalho foi criado. Não é a vida após o nascimento, mas as circunstâncias do nascimento e o que representa para o desenvolvimento da história.
Para fotografias históricas, o seu valor é intrínseco uma vez que cada momento capturado ali é único, não será capturado de novo e demonstra todo um estado de como as coisas eram e funcionavam naquele tempo e espaço.
Se o artista pinta num determinado período histórico onde há situações de guerra ou importantes acontecimentos, é natural que se pense todo o contexto daquela produção e a influência que recebeu da história do país, o que torna ainda mais relevante a história da peça.
O tamanho importa para a precificação. O maior nem sempre é o melhor: no caso de artefatos, por exemplo, o tamanho grande pode demonstrar que é uma peça vulgar. Mas para pinturas, o tamanho pode refletir em aspectos diferentes.
Pinturas ou esculturas com aspectos monumentais podem dificultar o processo de exposição ou instalação e transporte. Por outro lado, podem fascinar pela possibilidade maior de leitura de detalhes e implicam numa complexidade maior na produção.
No caso dos colecionadores, alguns não buscam comprar várias obras para preencher uma parede, então uma dimensão expressiva pode ser a solução. As obras menores, por sua vez, podem traduzir mais intimidade e delicadeza.
A moda é a capacidade de ultrapassar uma geração. Ao mesmo tempo que um trabalho pode aumentar o seu valor de acordo com o retorno de um estilo à moda, outros podem decair gradativamente por não acompanharem a tendência. O mercado internacional está olhando nos últimos anos para o sul da Ásia de uma nova forma, o que cria uma nova tendência e um novo gosto para aquele setor.
Existe espaço para as tendências do momento e há lugar para a longevidade e consistência. “A moda muda muito e se você não está comprando porque te apaixona, você não está fazendo certo”, afirma Courtney Kremers – head of Morning Sale, contemporary art da Sotheby’s de Nova York.
A grande capacidade da arte contemporânea é se desafiar. A beleza não é sempre o mais atraente, às vezes a composição mais atraente é a mais complexa, a que mais seduz para o desconhecido. O elemento subjetivo se dá na relação e na forma como se interage com as imagens.
Michael Macaulay, head of evening sales da Sotheby’s de Nova York, afirma que “os melhores trabalhos nos últimos 60/70 anos despertam experiências fantásticas justamente porque são desafiadoras”, “um quadrado preto pode não ser algo complexo em termos de reprodução, mas ficar em frente a ele é totalmente cativante”.
O que o artista usou para produzir o trabalho? Quais os processos pelos quais expressou a ideia?
Diferentes partes do mundo usam diferentes materiais. Existe a hierarquia também no caso das esculturas, pois um mármore foi necessariamente tocado pela mão do artista, enquanto o bronze requer um molde e adota um processo mais mecânico.
O óleo sobre tela é o material mais durável, então está no topo da hierarquia. Se alguma obra é feita com um material efêmero, que não dura, isso pode ser um empecilho para a absorção do mercado.
No caso da gravura, cada suporte tem diferentes efeitos visuais, então depende muito do que o artista quer coletar de resultado e qual o meio mais adequado para se chegar nele. Segundo Yessica Marks, especialista da Sotheby’s Nova York, Mark Chagall usa a litografia para obter efeitos mais fluidos enquanto Lucian Freud parte de uma gravura mais marcada com linhas expressivas e dependendo do artista e da sua especialidade, algumas se destacam mais em leilões.
A qualidade é o ponto mais questionável dentre todos os apresentados. Pode ser considerada a habilidade do artista, os efeitos únicos que ele é capaz de atingir ou a forma como capta os mínimos detalhes. Esses detalhes irreplicáveis podem ser uma linha, uma silhueta ou a textura da tinta. Os especialistas da Sotheby’s consideram uma composição que transcende gerações.
No fim, toda a criação de valor é uma construção de patamar que envolve todos os agentes do setor alicerçados em muitas variáveis apresentadas até aqui. O curador Massimiliano Gioni explica: “Arte é o que a cultura decide ser arte, arte é muita coisa, e arte é também confiança nos critérios de alguém que diz que algo é arte”. Em tempo, Ferraz afirma que poucos costumam imaginar o valor cultural antes da etiqueta de preço e que essa postura “é uma cegueira, uma incapacidade de perceber a cultura. Fala-se em colecionar arte para investimento. Não sei se o mercado de arte é só isso”.
Victoria Louise é jornalista, formada em Crítica e Curadoria da Arte e Gestão Cultural pela PUC-SP.
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*As citações de Svetlana Alpers, Angélica de Moraes, João Carlos de Figueiredo Ferraz, Cildo Meireles e Tadeu Chiarelli podem ser encontradas no livro “O Valor da Obra de Arte”, 2014, Editora METALIVROS.