O que motiva artistas a recorrerem à natureza como fonte de inspiração e ambiente de trabalho? A busca por um contato com ambientes naturais preservados é constante dentro do cenário urbano – ainda mais se pensarmos em São Paulo, uma metrópole que isolou suas áreas verdes em praças e parques. Basta observar o enorme fluxo dos paulistanos para o litoral e o interior do estado nos feriados, à procura de um respiro do concreto e das variadas poluições que os cercam diariamente.
No mesmo sentido de busca, algumas produções artísticas se propõem a evocar uma natureza que para muitos se tornou isolada ou inacessível – pensando a natureza aqui como um ambiente de imersão, preservado e afastado do caos urbano. Nesse tipo de produção, os elementos naturais, da fauna à flora, servem de inspiração para processos criativos que buscam reestabelecer uma conexão perdida, que se torna possível novamente através de trabalhos artísticos em diversas linguagens.
Cristina Canepa é uma artista nascida e criada na cidade, e vive um constante fluxo entre São Paulo e zonas verdes. Através de diversas linguagens como pintura, performance, escultura, desenho, fotografia e vídeo, a artista experimenta formas de questionar múltiplas noções de natureza junto àqueles que encontram suas obras.
Bacharel em Publicidade e Propaganda, Canepa já exerceu a profissão de formação, mas sentia que algo faltava para que pudesse se expressar. Seu primeiro contato com práticas artísticas foram as aulas de desenho de observação, técnica que marca sua produção até hoje.
“O mundo para quando me pego observando os detalhes e as nuances de uma folha ou de um tronco. As sombras se mostram quando vou pintá-las. Os ruídos e sons se transformam em manchas e borrões. Comecei então a estar num estado de presença, no agora. Parece uma meditação e ser a coisa para representá-la“, descreve a artista.
Partindo dos desenhos de observação, a artista passou a conceber seus trabalhos em uma imersão em ambientes naturais, buscando constantemente um estado de suspensão durante seus processos: “Eu uso o meu corpo inteiro na observação da natureza, a observação não se dá só com o olhar e sim com todos os sentidos. Desta maneira a observação fica amplificada. O corpo interage com o que está ao meu redor e acaba se tornando esse entorno, natureza“.
O trabalho mais recente de Canepa envolve a produção de mantos pintados que surgiram, inicialmente, em um processo de descoberta, no qual a artista experimentou vestir algumas de suas pinturas em grandes escalas feitas sem chassi.
Surge então a ideia de produzir uma pintura em molde de manto, que foi levado por Canepa para a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, dois dos maiores eventos da arte contemporânea mundial. Durante os eventos, foram realizadas uma série de performances, onde a artista foi percorrendo as áreas expositivas usando a peça e deixando que o público afetado o vestisse também.
Logo depois, esse processo se desdobrou no projeto Manto Vital, no qual Canepa convidou residentes de Alter do Chão, no estado do Pará, para uma produção guiada. O projeto envolveu encontros online entre Canepa e os convidados – com diversos perfis. A artista propôs que cada um criasse seu manto à sua maneira, utilizando quaisquer linguagens que lhes fossem interessantes, entre desenho, pintura, bordado e outras. O processo é majoritariamente virtual, mas culmina em um encontro entre a artista e seus convidados, com exposição dos mantos e performances coletivas com as peças.
“Esse processo de produção foi pensado e desenhado com o objetivo de mapear as diferenças entre geografia e cultura coletiva. Como a absorção dos princípios da modernidade atingiram as diferentes locações. Ao oferecer a cada um deles um “Manto Vital”, quero acionar sua imaginação para dizer quem são, e expressarem o que os torna únicos no mundo Os Mantos são usados por mágicos, super-heróis, reis coroados, bruxas, vampiros, senhores, santos e pessoas misteriosas”, afirma a artista a respeito do processo e do grupo.
O projeto foi finalizado em agosto deste ano e no final contou com a participação de sete pessoas. O resultado foi exibido em uma exposição neste mês de setembro no Edifício Vera, dentro da programação do Roteiro de Ateliês.
“Eles foram apresentados como bandeiras ou parangolés e o visitante pode caminhar por entre eles que flutuavam no ar e estavam em estado de ativação. A ideia foi apresentar a singularidade, a intimidade de cada artista envolvido no projeto“, comentou Canepa sobre a exposição apresentada no centro de São Paulo.
Uma das maiores características presentes nos processos da artista é a noção de transferência. Dentro de toda a imersão vivida pela artista, ela seleciona aquilo que será transformado em trabalho artístico em um primeiro processo de transferência. Depois, o público é convidado a vivenciar este trabalho, com uma série de experiências proporcionadas pela artista:
“[…]Eu faço a pessoa revisitar a sua própria relação com a natureza. O público é ativado pela obra quando ele veste o manto pois eu transfiro para a obra toda essa sensibilização que foi captada quando estou em contato com a natureza. A partir do momento que ofereço a obra para ser ativada ao público, o contato no vestir acontece o encontro do ser com ele mesmo. Com a sua essência“.
A exposição no Edifício Vera marca o fim de um ciclo e o começo de outro. Canepa pretende continuar suas experimentações no coletivo, e levará novas ideias em uma residência em Nova York. Suas transferências passarão, então, por novas localidades e trocas, pelas quais as pessoas são atravessadas enquanto público ativador e artistas em potencial.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
Gostou desta matéria? Leia também:
Temporada de projetos: o papel do Paço das Artes na difusão da nova arte contemporânea brasileira