Traçar um panorama histórico sobre a produção de obras de arte em grande escala não é a intenção deste texto. Adiante, se tecerá uma sequência de considerações a respeito da experiência entre artistas, espectadores e obras produzidas em grandes dimensões, em diversas linguagens e diferentes momentos da história.
A intenção inicial é refletir sobre a maneira como nos relacionamos com imagens e objetos – não necessariamente separáveis – que extrapolam as proporções do nosso próprio corpo ou os limites do nosso campo de visão. Em um momento em que a nossa visão se adapta a pequenas telas digitais, pelas quais as imagens são comprimidas e recortadas, como uma obra em grande escala pode promover novas experiências estéticas e sensoriais?
O estudo da história da arte costuma traçar relações entre as artes visuais e a arquitetura por períodos, demonstrando como determinados contextos configuram um conjunto estético diluído em diversos âmbitos. Podemos citar as catedrais católicas da idade média, por exemplo, nas quais grandes construções corporificavam a imposição do poder da igreja sobre seus fiéis, e materializavam assim uma ideia de divindade superior. Esse espaço conformado por sua magnitude retrai o corpo humano em sua pequenez, característica própria da relação entre humano e sagrado. Essa grandiosidade era composta não só pelo conjunto arquitetônico principal, mas também por vitrais e esculturas geralmente integradas às paredes e colunas, formando uma unidade.
O ato de pintar em grandes superfícies acompanha a humanidade há muito tempo. Se nos atermos à questão da imagem produzida e compartilhada no espaço comum – seja em uma caverna, na parede de um refeitório, em um muro ou na lateral de um prédio no meio de uma metrópole – percebemos como a arte tem sua maneira própria de estabelecer um lugar que chama atenção e traz questões importantes para o debate público.
Dos afrescos renascentistas que revolucionaram a relação espacial da pintura de parede através dos estudos de perspectiva, aos murais grafitados em centros urbanos. Tais obras em grandes dimensões têm em comum, muitas vezes, a valorização de detalhes que passam despercebidos ao olhar distraído e viciado, geralmente habituado a manter sua atenção apenas ao nível da sua própria estatura. Essas grandes telas convidam o olhar a alçar outros níveis, outras camadas de uma paisagem em constante movimento.
É seguro afirmar que artistas buscam ao longo de suas trajetórias superar seus próprios limites dentro de poéticas e experimentações formais. Essa superação muitas vezes se volta para a própria linguagem: enfrentam os limites da moldura, do espaço, do material, entre outros fatores.
As grandes telas do expressionismo abstrato estadunidense, por exemplo, estabelecem uma nova relação corporal entre artista e tela, e posteriormente entre tela e espectador. Neste caso, artistas como Jackson Pollock e Helen Frankenthaler se debruçavam sobre a imensidão de telas que tomavam o chão de seus ateliês e enfrentavam a espacialidade através de um novo posicionamento do suporte.
Do mesmo período, temos os conhecidos colour fields de Mark Rothko, que através da ampliação do uso das cores e dimensões da tela, oferecem ao espectador um mergulho em um emaranhado de cores.
À medida que a escultura desceu do pedestal, sendo mais incorporada ao espaço, e as instalações surgiram com novas proposições de imersão, as relações entre espectadores e obras passaram por transformações significativas. Cada vez mais nos tornamos agentes de uma ação, ativadores de uma proposição. Ao contrário do ambiente arquitetônico impositivo como vimos no começo do texto, as instalações geralmente são espaços convidativos com intenções específicas.
Nos últimos anos assistimos à proliferação de ambientes imersivos que atualizam o significado de interação na arte. Ambientes digitais são projetados para responder às ações de quem os adentra, e dessa forma o espectador também se sente parte constituinte da obra.
Se em alguns momentos acreditamos que nosso olhar é capaz de dominar um campo de visão e todos os elementos presentes nele, a grande escala quebra com essa crença e nos faz perceber que nosso olhar viciado precisa se esforçar para dar conta de grandes dimensões. São experiências que precisam ser trabalhadas em etapas, e não em uma totalidade instantânea.
Entre o ato de construir aquilo que se mostra grandioso aos nossos olhos e o ato de se afetar por essas experiências, está o reconhecimento da capacidade humana de extrapolar seus limites físicos, sensoriais, expressivos.
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Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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